![]() DIÁRIO DE TRANSBORDO: OFICINA DE DESENHO - III[1] Texto: Rafael Muniz Espíndola[2] Fotos: Anderson Luiz de Souza[3] "É na página, e não antes, que a palavra – até mesmo a palavra do arrebatamento profético – torna-se definitiva, isto é, transforma-se em escritura. É só pela limitação do ato da escrita que a intensidade do não-escrito se torna legível, ou seja, pelas incertezas da ortografia, pelos equívocos, pelos lapsos, pelos saltos incontroláveis da palavra e da pena. Por outro lado, o que está fora de nós não pretende comunicar-se pela palavra, quer falada, quer escrita: ele envia suas mensagens por outros meios". Ítalo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno Nada do que separei para levar foi o que levei e a paisagem fora recortada em mil outros pedaços e construída novamente para dar unidade ou não, mas precisávamos dar unidade a coisa que estava sendo apresentada. Ainda não sei o que acontece, mas acabamos criando uma paisagem. Que paisagem é essa que tu pensas enquanto digo “paisagem”? Uma paisagem de fora e de dentro, de transparências e misturas como os seres andróginos de Ismael Nery. Somos nós entrelaçados e cruzados. Um falso eu numa falsa paisagem criada por mim e comigo e contigo e conosco e Orozco com víscera e osso. Acabamos tropeçando e criando outros caminhos formadores de desenho e de desejo, desígnio de desespero, de destempero da mão a procura de uma linha na criação de outra linha, na criação de si no percurso, na criação de um corpo que se torna enquanto agente. (...) Há gente, e há muitas delas passando por nós, mas percebemos aqueles que não atravessam na faixa de segurança. Esses dissonantes cotidianos lembram-me da paisagem de Magritte, na qual sobreposta a uma janela põe-se como um véu translucido imitando a realidade como realidades transpostas. Os limites do quadro são bem sutis e com isso perdemos a noção daquilo que poderíamos apreender como fato. Esse jogo, jogado com sutilezas e com bordas faz parte do nosso jogo, de uma correria diária em busca. Em busca. Embosca. Emboscada. Um emaranhado de linhas cortadas e jogadas no papel, recordadas pelas palavras e pelas mãos que agora traçam novamente o percurso na folha, paisagem em branco e devir. No retraçar o caminhante que foi ao chegar aqui. Perdemos. Perdemos dados. Perdemos fatos. Perdemo-nos nessa transdução e traçamos aquilo que gostaríamos de ter visto ou vimos tantas e tantas vezes que não percebemos mais. Trata-se de uma leve cegueira, pode ser que seja temporária, te acalma, logo passa, talvez note o prédio só depois de seu desabamento. Mas isso não fará diferença por que tu só vais lembrar que ali existia alguma coisa, não lembrarás direito da cor do prédio ou dos grafites que fizeram nele como palavras dessa ou de outra ordem. Nem mesmo lembrarás se fora ali um prédio. Agora é vaco, é branco, é céu, nublado ou azul, chuvoso e solto em um espaço, um espaço que tu crias. Antes, olha bem de perto, qualquer coisa na tua volta, se não tiveres nada que te prenda a atenção procura algo bem banal, beirando o ridículo. Sim, pode ser o bibelô que tu só não jogas fora por te lembrares daquela pessoa que o deu. Ou aquele chinelo arrebentado que tu procrastinas pra colocar fora. Um único ponto é necessário para que essa experiência ocorra de forma concisa: presta atenção, direi apenas uma vez: olha bem de perto e com muita minucia até que tu desconheças o que está olhando e que a sensação percorra teu corpo, apenas sinta, experimente, mente, inventa. Tu me perguntarás: e agora, o que faço? Não sei, não tenho essa resposta e gostaria que tu me dissesses. O percurso do teu olho é o teu próprio desejo. E isso não é um manifesto. [1] Texto escrito a partir da realização da oficina Diário de Transbordo, realizada no dia 20/06/2016, ministrada pelo bolsista de extensão e artista Rafael Muniz Espíndola. A oficina é uma ação dos Estudos do Corpo, que é uma atividade de Extensão da FACED/UFRGS sob a coordenação da Profª Daniele Noal Gai e Wagner Ferraz. [2] Rafael Muniz Espíndola - Artista Visual. Acadêmico da Graduação em Artes Visuais (UFRGS); Integrante dos Estudos do Corpo; Integrante do NAI - Núcleo de Arte Impressa do Instituto de Artes da UFRG. Estudou no Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (Atelier Livre Xico Stockinger) em desenho no ano de 2009, gravura em metal entre 2011 e 2013; e no Museu do Trabalho em litografia no ano de 2013. Já teve suas produções artísticas em diversas exposições: Exposição [entre] corpos (2016), Feevale, DESEJOS DESENHOS no espaço expositivo do Centro Municipal de Cultura, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues (2014), Instituto de Artes UFRGS, espaço Ado Malagoli (2015), entre outras. http://cargocollective.com/RafaelMuniz [3] Anderson Luiz de Souza – Participante do projeto de extensão Estudos do Corpo (FACED-UFRGS). Doutorando em Educação e Mestre em Educação pelo mesmo Programa de Pós-Graduação em Educação – UFRGS. Especialista em Arte Contemporânea e Ensino da Arte - ULBRA (2011). Graduado em Moda (Bacharelado) CESUMAR (2006) - Maringá/PR e Graduando em Artes Visuais (Licenciatura em andamento) UNIP. Professor da Universidade Feevale, nos cursos de Moda, Artes Visuais (bacharelado e licenciatura) e também Design Gráfico. Performer e artista visual integrante do Coletivo M.A.L.H.A (Movimento Apaixonado pela Liberação de Humores Artísticos). Desenvolve trabalhos como artista visual, figurinista, designer gráfico, ilustrador e fotógrafo experimental. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8698759327493556 Para referenciar este texto (trabalho): ESPÍNDOLA, Rafael Muniz. Diário de Transbordo: Oficina de Desenho III. Fotos: Anderson Luiz de Souza. Estudos do Corpo/Cartografar Corpos – Atividade de Extensão FACED/UFRGS. Ano 05, Porto Alegre, 2016. Publicado em 03/07/2016. Disponível em: http://estudosdocorpo.weebly.com/blogue/diario-de-transbordo-oficina-de-desenho-iii. ![]()
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